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terça-feira, 22 de março de 2016

Cansei de Ser um Número


Paulo acordou iluminado naquela segunda-feira. Já nos primeiros raios de sol que invadiram o pequeno quarto de hotel onde morava, levantou e começou a procurar papeis e documentos. Separou tudo em cima da cama, ainda por arrumar. Cada contrato, contas a pagar, identidade, CPF, título de eleitor, carteira de trabalho, documento do carro, cartão de banco, crachá da empresa, tudo continha um número de identificação. Esta avalanche aritmética rapidamente passou da constatação ao espanto e deste para um, até então, inexplicável desespero. Paulo entendeu que, para o sistema que faz a gestão da sociedade, não existem pessoas, indivíduos ou particularidades. Tudo e todos são resumidos a coleções de algarismos, um após o outro em sequências intermináveis.

Perturbado com sua descoberta acidental, Paulo resolveu falar com Elga, amiga de longa data, que sempre esteve ao seu lado nesses momentos críticos. Efetuou a ligação e do outro lado, uma voz mecânica informou que o número chamado estava indisponível naquele momento. Nunca havia se dado conta de que todos seus contatos eram números em uma agenda. Instantaneamente tudo a sua volta começou a mostrar seus números. Medidas, preços, idades, peso, volume, datas e tantos outros, impossíveis de contabilizar.

Chegou a conclusão que se permanecesse em seu quarto, em poucos minutos enlouqueceria. Resolveu sair. Desceu os 22 degraus da escada que dava acesso ao saguão do hotel. Deixou a chave do seu quarto, número 111 e saiu. Andou até o número 248 onde uma lanchonete 24 horas orgulhava-se de estar completando 50 anos. Pediu 1 pastel de carne e 1 suco de laranja. O atendente lhe perguntou se queria o de 300ml ou 500ml. Pediu o de quinhentos. Enquanto comia assistiu ao noticiário do canal 28 que dava a noticia de 5 mortos em acidente na BR 273. Olhou o relógio que marcava 7 horas e 15 minutos. Pagou a despesa de 10 reais e 40 centavos e saiu em direção do ponto de ônibus que distava 200 metros dali.

No ponto uma placa indicava os números das 21 linhas que passavam naquele itinerário, Quando viu o ônibus 455, fez sinal, entrou e pagou os 3 reais e 30 centavos da passagem. Foi até o fundo do veículo e ocupou 1 dos 5 lugares vazios do total de 21 lugares.

Foi ainda dentro do ônibus que Paulo teve os primeiros sintomas da desconexão. Sua visão começo a embaralhar e as imagens a sua volta que até então sempre haviam refletido aquilo que ele considerava como a realidade, começaram a se transformar em sequencias numéricas. Não era permanente, as imagens iam e vinham como uma tela com mau contato. Paulo começou a sentir medo. Esfregava os olhos como que tentando limpar a visão mas o efeito não passava. Os outros passageiros começaram a perceber sua inquietação. Alguns ficavam observando enquanto outros, meio assustados, iam para a parte da frente do veículo.

Atordoado com aquilo resolveu descer no próximo ponto. Ao descer, sem muita certeza de onde realmente estava, uma mão suave segurou seu braço puxando-o para um edifício de escritórios logo a frente. Enquanto o conduzia, a jovem que parecia ter saído de um anime, lhe perguntou:
- Você está vendo os números?
- Estou. O que está acontecendo?
- Não há tempo agora, logo você vai entender. Rápido, eles estão perto.
- Eles quem? 
- Não dá pra explicar agora, venha logo!
Subiram dois lances de escada e passaram por dois bêbados que gritaram com a euforia do álcool:
- Vai corintiano....
Chegaram numa porta com o número 122 onde um telefone tocava insistentemente.
- Atenda o telefone - Disse a jovem.
- O que!
- Atenda logo esse telefone.
Paulo retirou o aparelho do gancho e mal teve tempo de dizer alô.

Com um rápido clarão ele desapareceu da pequena sala. A garota anime colocou o fone no gancho e apos 2 segundos. ele tocou novamente e ela atendeu e sumiu da mesmo forma que Paulo. Praticamente no mesmo instante, dois homens vestindo ternos impecavelmente bem feitos entraram na sala. Um deles correu até o aparelho mas ouviu apenas o sinal de ocupado indicando que a conexão fora interrompida. Ele desferiu um golpe sobre a mesa e proferiu alguns insultos. Enquanto isso o outro homem de pé em frente a porta conversava por rádio dizia aos seus superiores:
- Não! Não chegamos a tempo e o programa foi desconectado. Perdemos este!