Mais que uma banda punk, o Cólera é a banda que explodiu a minha cabeça!
Quando me deparei com o movimento punk nacional, no início da década de 80, em Curitiba, através da banda Beijo AA Força, inicialmente apresentado aos sons gringos e posteriormente aos nacionais, com o álbum SUB (ler a resenha aqui), mudei todos meus conceitos ao perceber que a música tinha o poder de formar consciência e transmitir indignação. Ouvir as bandas nacionais, em gravações de qualidade duvidosa, mas com uma coragem que não existe no mainstream certinho e politicamente correto, nos incentivou a fazer o mesmo. Foi graças ao movimento punk que o Brasil viu acontecer uma explosão musical que ainda está viva nos corredores dos subterrâneos culturais do nosso país.
Das bandas nacionais, uma que me chamou a atenção foi a paulistana Cólera. O grupo foi formado em 1979 pelos irmãos Redson (baixo e voz), Pierre (bateria e voz) e Helinho (guitarra e voz) com a proposta de fazer um som libertário e direto. A primeira apresentação da banda acontece em 12 de dezembro do mesmo ano no Bairro do Limão. Logo após Kinho assume o vocal. Em 81 Kinho e Helinho saem e Val assume o baixo e Redson passa para a guitarra. Em 82 participam da coletânea Grito Suburbano ao lado do Olho Seco e Inocentes e ainda no mesmo ano se apresentam no Festival Começo do Fim do Mundo no SESC Pompéia que rendeu uma coletânea homônima.
A banda participa ainda de algumas compilações internacionais. Em 83 Redson cria o selo Estúdios Vermelhos, responsável pela coletânea SUB, em 85 o selo passa a se chamar Ataque Frontal. Ainda em 85 lançam seu álbum de estréia Tente Mudar o Amanhã e em 1986 lançam o álbum Pela Paz em Todo Mundo que chegou a vender quase cem mil cópias, um número impressionante para uma produção independente. No ano de 87 a banda viaja para a Europa e se torna a primeira banda punk nacional a fazer um tour fora do Brasil.
O trio segue, lançando álbuns e fazendo turnês. Em 2009 inicia uma mega turnê, 30 Anos Sem Parar, comemorando os 30 anos de atividade. Em 27 de setembro de 2011 o vocalista e mentor da banda, Redson Pozzi faleceu, vitima de uma hemorragia interna, causada por uma úlcera no esôfago. A Banda resolve dar um tempo mas em 2012 anunciam o retorno com a entrada do vocalista Wendel Barros ex-roadie e amigo de Redson. O Novo vocal é bem aceito e o Cólera continua na ativa com shows e planos de um novo álbum.
Pela Paz em Todo Mundo
Lançado no formato LP, em 1986 pelo selo Ataque Frontal e relançado, com quatro faixas bônus, em 2000, pela Devil Discos, foi um trabalho bem distribuído, tocado em rádios, programas de rock, circuitos independentes e enviado em grandes quantidades para a Europa e Estados Unidos. O disco ainda gerou duas turnês pelo Brasil e uma pela Europa passando pela Alemanha, Bélgica, Holanda, Áustria, Suíça, Dinamarca, Países Bascos, Espanha, Noruega e França. Um marco na história do rock nacional que deve ser lebrado, comemorado e escutado.
As Músicas
Neste post vamos nos ater as canções do vinil lançado em 86 com a participação de Redson, Val e Pierre. São 14 canções de tirar o fôlego.
- Lado A
- Medo - Um Clássico que fala da sensação de estarmos sozinhos e presos a um sistema que quando te estende a mão é apenas para te explorar.
- Funcionários - Baixo e bateria numa introdução bem tribal. Punk rock de primeira, apesar do título, a música fala sobre mudança de consciência.
- Somos Vivos - Com uma pegada mais para o punk rock tradicional. Letra existencialista e com intuito de despertar o consciente coletivo.
- Alternar - Fala sobre a miséria da condição humana em sua luta para sobreviver e da futilidade das convenções sociais.
- Multidões - O título já diz tudo. A letra faz uma análise das massas manipuladas e incapazes de pensar.
- Direitos Humanos - Esta música fala sobre os excluídos e marginalizados que já não tem direito a vida com dignidade.
- Guerrear - "Nós não nascemos pra guerrear". Com este refrão a música faz uma denúncia das guerras absurdas onde inocentes são colocados na linha de frente de uma guerra que não é sua.
- Lado B
- Vivo na Cidade - Nesta canção o enfoque é sobre o caos urbano das grandes metrópoles que massacram as pessoas com a poluição.
- Humanidade - Mas uma música de conscientização do lugar do ser humano na sociedade e das suas responsabilidades em relação aos outros.
- Alucinado - Nesta letra o tema é o stress e a letargia que abate o ser humano causando pânico e indiferença.
- Continência - Aqui o tema é o serviço militar que, na visão do autor, é uma forma de criar massa de manobra.
- Não Fome! - Mais uma vez a miséria está na pauta, desta vez por conta das políticas econômicas que achatam o poder de compra dos cidadãos.
- Adolescente - Aqui o tema são os jovens sem voz e sem ouvidos que os escutem. Aliás, a preocupação com os jovens é sempre presente nas músicas da banda.
- Pela Paz - Para fechar, a música que dá título ao álbum. Um grito de alerta para o caos em que toda a humanidade está se metendo. Já naquela época.
Conclusão
Este disco é um clássico da Música Brasileira que não perde a sua atualidade e sua autenticidade e que deve ser escutado por todos. Punk rock de qualidade, letras conscientes. O Cólera foi e continua sendo uma espécie de porta voz da humanidade contra as injustiças. Uma obra prima do rock nacional que atravessou fronteiras e ganhou respeito fora do Brasil, mostrando que aqui existe gente consciente. Uma aula de humanidade para as novas gerações.