terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Quando ouvir música era um ritual

Se você tem menos de trinta anos leia para saber como era e sem tem mais de trinta leia para lembrar como foi!

Quando eu era um adolescente, la no Rio de Janeiro, e não havia música em formato digital e a internet era inimaginável para nós, ouvir música era um ato quase religioso. Na nossa turma, tínhamos o hábito de sempre adquirir discos diferentes para permitir a troca entre amigos e com isso ter acesso a uma quantidade maior de obras. A escolha dos álbuns adquiridos tinha que ser rigorosa, pois além de caros, não podíamos nos dar ao luxo de comprar um disco com uma ou duas músicas boas e descartar o restante. Na loja de discos do bairro que eu morava, o Leme, havia a possibilidade de ouvir os LPs  antes de comprá-los. Estas restrições e dificuldades acabavam nos tornando seletivos e criteriosos. Em resumo: não tínhamos tempo e nem dinheiro para esbanjar com qualquer lixo.

Depois de adquirir a bolacha (apelido carinhoso para os long-plays de 12 polegadas) havia o momento mágico da audição. Retirar da capa, ler encartes, ver ilustrações, a flanelinha para eliminar impurezas, colocar no toca discos, deitar delicadamente a agulha sobre o vinil e deliciar-se com os acordes que vinham dos alto-falantes. Depois de escutar o lado A havia ainda a necessidade de virar o disco para ouvir o lado B.

Era um tempo em que a música exigia um tempo para ela. Por outro lado, o ouvinte exigia conteúdo das músicas. Não apenas qualidade musical mas uma mensagem que fosse de encontro as suas idéias e ideais. A música fazia parte de nossas vidas e nos ajudava na formação cultural e crítica. Nossos ouvidos estavam habituados com acordes complexos e os tempos quebrados do jazz e do progressivo, com a graça do chorinho, com a energia do hard rock e com a riqueza poética da MPB. Isso sem falar no engajamento político e nas preocupações sociais que as músicas discutiam de forma direta ou indireta.

Creio que o alto custo para se adquirir música e a dificuldade em conseguir obras mais raras tenha sido um fator de peso para que a música ocupasse um lugar de honra em nossas vidas.

Mas então o que aconteceu. Porque hoje, grande parte do público é menos seletiva e consome qualquer coisa independente do conteúdo ser refinado ou não? Eu acredito que um dos fatores que contribuiu para isso é justamente a facilidade que se tem hoje para consumir música. Atualmente qualquer Smartphone está recheado com milhares de músicas e o advento do Streaming nos dá acesso a milhões de canções que levam a dois extremos, a saber: Não dá para ouvir tudo e ouve-se o máximo possível e por conta disso a música passou a desempenhar um papel de mera trilha sonora para a corrida pela manhã, a academia, o trajeto para o trabalho, e para que ela não desvie a atenção do caminhante, do motorista ou do trabalhador ela precisa ser fácil de assimilar e de descartar. Resumindo, a música perdeu seu lugar de honra e passou a ser apenas um preenchimento sonoro nos silêncios da vida. Isto é tão verdade que quando você olha um aplicativo para música não é raro encontrarmos listas de faixas para tomar banho, lavar louça, andar de bicicleta, viajar, dormir, etc.

É claro que nem tudo está perdido e as facilidades tecnológicas também tem contribuído para aquele grupo de pessoas, embora pequeno, que tem interesse em boa música. Musica para sentar e ouvir. Comentei sobre isso em outra matéria neste blog (A Indústria da Música Está em Crise. Que Ótimo!!!). Admito que este tempo em que uma obra musical exercia fascínio, dificilmente retornará, mas gostaria que você prestasse mais atenção naquilo que ouve. Um abraço.

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